sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Crise entre Bogotá e Caracas ofusca acordos entre Brasil e Venezuela

Terra.com

A crise entre Colômbia e Venezuela deixou em segundo plano hoje a assinatura de 27 acordos de cooperação entre os Governos brasileiro e venezuelano durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Caracas.
Lula e seu colega venezuelano, Hugo Chávez, cumpriram pela décima vez o compromisso de se reunir trimestralmente para rever as relações bilaterais. Nesta ocasião, o interesse pelo encontro recaiu no possível papel mediador de Lula na crise entre Bogotá e Caracas.

No final da reunião, Chávez disse que Lula "leva uma missão" para Bogotá, para onde vai ainda hoje para comparecer à posse de Juan Manuel Santos, neste sábado, na Presidência da Colômbia.

"Lula leva uma missão da qual falamos bastante com o secretário da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), Néstor Kirchner, mas disso não falaremos hoje. Falaremos amanhã e depois de amanhã.

Estamos muito otimistas", afirmou Chávez.

Embora o governante venezuelano não tenha sido explícito quanto ao conteúdo da "missão", a expectativa é de que Lula e Kirchner atuem como mediadores entre Caracas e Bogotá diante do novo Governo colombiano.

Kirchner e Lula comparecerão amanhã à posse de Juan Manuel Santos como presidente da Colômbia. A Venezuela será representada na cerimônia por seu ministro das Relações Exteriores, Nicolás Maduro.

Kirchner participou hoje com Lula e Chávez de uma reunião da Mesa Presidencial Estratégica e Secretaria-Geral da Cúpula de Países da América do Sul e África (ASA).

Segundo o secretário-geral da Unasul, a crise entre Colômbia e Venezuela também foi abordada no encontro porque sua função no cargo é "é contribuir para o reencontro de duas nações irmãs".

Kirchner ressaltou, no entanto, que é preciso tomar "o tempo necessário para que estas coisas comecem a desaparecer da vida latino-americana e possamos retomar a convivência de dois grandes povos como Colômbia e Venezuela".

Na reunião da ASA, Chávez já tinha pedido a Lula, sem relação com a "missão" posterior, para que cumprimente Juan Manuel Santos em seu nome.

"Te peço que leve uma saudação ao novo presidente da Colômbia", disse Chávez a Lula.

Apesar da aparente aproximação ao futuro Governo do país vizinho, Chávez disse que "entre nós há aqueles que atrapalham", em alusão ao presidente colombiano, Álvaro Uribe, que deixa o cargo amanhã.

A Venezuela rompeu relações com o Governo Uribe em 22 de julho depois das denúncias de Bogotá na Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre a suposta presença de guerrilheiros colombianos em território venezuelano.

Ao comentar as relações entre Brasil e Venezuela, Lula disse que nos oito anos que ocupou a Presidência foi feito mais "que nos cinco séculos anteriores".

Os 27 acordos assinados hoje abrangem áreas como a agrícola, finanças públicas, projetos sociais, relações fronteiriças e tecnologia.

Os dois presidentes destacaram a iniciativa para estabelecer um polo de desenvolvimento que vincule o sul da Venezuela com o estado de Roraima, levando em conta que são áreas contíguas.

Também houve acordos para criar empresas de processamento de alimentos e foi dado o primeiro passo para instalar um sistema de acesso ao crédito similar ao Bolsa Família.

Ao falar do potencial das relações com a Venezuela e com a América do Sul de forma geral, Lula disse que a gestão dos políticos seria mais bem-sucedida se fossem capazes de ver o óbvio.

Segundo o presidente brasileiro, durante décadas, a América do Sul voltou seus olhos para o norte e que só recentemente percebeu que o óbvio é que seu futuro está em sua própria realidade.

Nessa linha, Lula disse que os acordos assinados com a Venezuela são "mais um pedacinho" desse vínculo que une todas as nações sul-americanas.

Chávez lembrou que esta será, possivelmente, a última visita de Lula a Caracas como presidente e se despediu do presidente brasileiro com um abraço.

"É possível que seja tua última visita como presidente à Venezuela. Quanto te devemos, Lula! Obrigado de coração", disse Chávez.

Venezuela atrasa pagamentos e afugenta empresas brasileiras

O Estado de São Paulo, Patrícia Campos Melo, de Caracas

Braskem adia investimentos de US$ 3,5 bilhões em dois projetos em território venezuelano; empreiteiras enfrentam problemas com uma lei que permite ao governo confiscar máquinas ou tomar obras públicas que estejam paralisadas ou atrasadas

A vida das empresas brasileiras na Venezuela não está fácil e pode piorar. A Braskem, que havia fechado duas joint ventures com a estatal venezuelana Pequiven, para dois projetos no valor de US$ 3,5 bilhões, mudou seus planos. Das 30 pessoas que a empresa mantinha em Caracas para tocar o projeto, só sobrarão 5. A maioria dos executivos está voltando para o Brasil ou indo para outras filiais da Braskem.


"O governo venezuelano não cumpriu sua parte nos investimentos", disse ao Estado uma fonte próxima ao projeto. A Braskem e a estatal venezuelana haviam assinado um memorando, em 2007, para criar duas companhias. O projeto da Propilsur foi adiado por um ano, enquanto o da Polimérica, de capital misto, teve o investimento reduzido pela metade.

Empreiteiras brasileiras, como Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Correa, que têm bilhões em negócios na Venezuela, também estão prestes a sofrer um duro golpe do governo chavista com a Reforma da Lei de Contratações. A Assembleia Nacional venezuelana aprovou, na quarta-feira, uma lei que permite ao governo confiscar máquinas ou se apoderar de obras públicas que estejam paralisadas ou atrasadas.

Muitas empreiteiras brasileiras estão tocando seus projetos aos poucos ou deixando-os paralisados. A nova lei ainda precisa ser aprovada em segunda turno, mas, como há maioria chavista, deve passar. "Se for aprovada, a lei pode ser um enorme problema para as construtoras brasileiras", disse Fernando Portela, diretor executivo da Cavenbra, Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Venezuela.

A fuga de investimentos e de executivos do país já é aparente nas escolas onde estudam os filhos dos expatriados. Na Escola americana Campo Alegre, na escola britânica e na Hebraica de Caracas, dezenas de alunos estão indo embora. A escola britânica passou a exigir pagamento anual, em vez de semestral, por causa do êxodo de alunos.

Empresas brasileiras que importam seus insumos sofrem com o controle cambial. Em maio, o governo fechou as casas de câmbio e proibiu as empresas de recorrer ao chamado câmbio permuta. Como pelo câmbio oficial têm prioridade produtos essenciais, importadores de produtos, como cosméticos, perfumes e têxteis, correm risco de desabastecimento. Empresas como Boticário, Alpargatas e Hering estariam sendo afetadas, diz ele. No ano passado, a Natura, maior fabricante de cosméticos do Brasil, deixou a Venezuela alegando risco cambial e "desequilíbrio" de instituições.

Crescimento. Segundo José Francisco Marcondes, presidente da Federação de Câmaras de Comércio e Indústria Venezuela-Brasil, a situação no país é delicada. "A Venezuela está em recessão, há questões pré-eleitorais, mas o comércio bilateral cresceu este ano", ressalva.

As exportações do Brasil para o país crescem graças, principalmente, ao comércio de alimentos, que não é tão afetado pelo câmbio. Nos primeiros seis meses do ano, as exportações aumentaram 7% em relação ao mesmo período de 2009. Já as importações brasileiras da Venezuela, aumentaram 135,4% no primeiro semestre. Passaram de US$ 197 milhões para US$ 465 milhões.

Invasão brasileira. O intercâmbio comercial durante o primeiro semestre deste ano totalizou US$ 2,243 bilhões, aumento de 20,7%. A venda de carne bovina desossada e congelada do Brasil cresceu 672%; de bovinos vivos, 84% e de ovos de galinha para incubação, 144%.

Nos "mercales", os supermercados conveniados ao governo, muitos dos alimentos são brasileiros. "Não tem mais frango da Venezuela. Só do Brasil, que vem congelado e não tem gosto de nada", diz Xiomara Pinto, que mora em um barraco em Antímano, bairro de Caracas.

Perto de eleições e com economia em recessão, Chávez deve se beneficiar da visita de Lula

O Globo, Eliane Oliveira, de Caracas

CARACAS - Com a economia de seu país em recessão e a pouco mais de um mês das eleições para o Parlamento venezuelano, o presidente Hugo Chávez será fortemente beneficiado - sob o ponto de vista da política interna - com a visita de seu colega brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Até a tarde desta quinta-feira, as discussões giravam em torno da retomada dos projetos de construção das chamadas fábricas socialistas, em que Chávez usaria o peso do Estado e os recursos obtidos com a exportação de petróleo para que empresas brasileiras participem da implementação de indústrias, da transferência de tecnologia e de grandes obras de infraestrutura.


Na parte social, o Brasil vai transferir para a Venezuela a experiência do programa Minha Casa, Minha Vida, que inclui não apenas a construção de moradias populares, mas também a urbanização de favelas.

As altas cotações do petróleo vêm garantindo, na última década, a popularidade de Chávez. No entanto, ele próprio reconhece que o país necessita de indústrias para criar empregos e reduzir a dependência de importações de alimentos e produtos industrializados.

Se dependesse de Chávez, seriam instaladas pelo menos 200 fábricas socialistas. O Brasil, porém, poderia colaborar com pelo menos dez, em setores como siderurgia, embalagens, tubos de PVC, válvulas, papel e celulose e alumínio.

- Consideramos de fundamental importância a retomada das conversas em torno da industrialização, especialmente para as pequenas e médias empresas - disse o presidente da Federação das Câmaras de Comércio Brasil-Venezuela, José Francisco Marcondes.

Dados do Ministério do Desenvolvimento mostram que, nos primeiros seis meses do ano, as exportações para a Venezuela aumentaram 7% em relação ao mesmo período de 2009, totalizando US$ 1,778 bilhão. Já as importações de produtos venezuelanos saltaram de US$ 197 milhões para US$ 465 milhões.

Crise, "Minha Casa, Minha Vida" e dívidas estão na agenda de Lula em Caracas

Folha.com, Flávia Marreiro, de Caracas


A crise com a vizinha Colômbia, o impulso da versão venezuelana do "Minha Casa, Minha Vida" e a reclamação de empresários brasileiros por falta de pagamento da Venezuela estão na agenda do que pode ser a última visita a Caracas de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente.


A chegada de Lula está prevista para essa manhã, e no começo da tarde ele tem reunião fechada com o colega Hugo Chávez. É a 10º reunião trimestral dos dois desde 2007, quando foi criado o mecanismo.

Desde meados de 2008 a agenda dos presidentes inclui um tema: o apelo dos empresários brasileiros para que se acelerem os pagamentos das dívidas do governo, e também de compradores privados do país.

Nesta semana, os dois países lançaram a Comissão de Monitoramento do Comércio Brasil-Venezuela para "remover entraves burocráticos e técnicos" no setor.

O nó, porém, continua sendo o férreo controle de câmbio venezuelano.

"Posso dizer que a situação é melhor do que a havia no primeiro trimestre de 2009. Mas com isso não quero dizer que deixar de pagar ao menos uma empresa está bem", disse em Caracas José Francisco Marcondes, da Federação de Câmaras de Comércio e Indústria Venezuela-Brasil.

Com US$ 1,7 bilhão em produtos exportados à Venezuela no primeiro semestre, o Brasil é um dos principais fornecedores de alimentos do país, e o primeiro em compras exclusivamente estatais.

A Venezuela atravessa o segundo ano consecutivo de recessão e o governo, com menos dinheiro em caixa, apertou ainda mais o controle de câmbio como tentativa de segurar a inflação, a maior do continente, e a fuga de capitais.

As divisas nas taxas oficias -- 2,6 bolívares fortes por dólar para comida e e 4,3 bolívares fortes por dólar nos demais item -- saem a conta gotas do Cadivi ( Comissão de Administração de Divisas), cuja fila tem alto componente político, daí a importância da conversa direta entre os presidentes.

"Os empresários brasileiros também foram afetados pelo fechamento do mercado paralelo de dólar. Até entendo os motivos porque se faz controle de câmbio, mas isso sempre cria dificuldades", continua Marcondes.

Em maio, Chávez ordenou o fechamento do único sistema de câmbio flutuante que funcionava no país, de onde partiam as divisas que financiavam entre 40% e 60% das importações.

Foi quando o bolívar forte -- chamado assim após a desvalorização da moeda em janeiro -- chegou a seu nível mais baixo: 8 bfs por cada dólar.

Em substituição, o governo criou um sistema de bandas para a divisa, mas que na prática funciona como um terceiro câmbio (5,3 bfs/dólar),mais restrito e que impulsou o crescimento do mercado negro.

Há rumores de que o governo estuda abrir mais uma vez o mercado paralelo, enquanto a consultoria Ecoanalítica, uma das mais respeitadas do país, e agências de risco estrangeiras não descartam que Chávez tenha de recorrer mais uma vez à desvalorização -- um ciclo bem conhecido pela Venezuela desde os anos 80. Isso só ocorreria, porém, após as cruciais eleições legislativas, estimam os analistas.

CAIXA E KIRCHNER

Lula e Chávez devem assinar cerca de 20 acordos, e uma das estrelas do grupo, já anunciado pelo venezuelano em aparições na TV, é o aprofundamento da parceria com a Caixa Econômica Federal com os novos bancos estatais para bancarização popular.

O primeiro posto de banco popular vai ser inaugurado em Vega, região pobre no centro da capital, sob gestão chavista.

É também com a Caixa que Caracas pretende ter a expertise para o "Minha Casa, Minha Vida" venezuelano _a habitação é uma das áreas de pior performance de Chávez.

Por fim, Lula anunciou que pretende por na mesa a crise do país anfitrião com a Colômbia. O encontro acontece menos de uma semana depois de Caracas e Bogotá não terem chegado a um acordo sobre o plano de contenção do conflito proposto pelo Brasil na Unasul (União das Nações Sul Americanas).

Bogotá acusou a Caracas de fazer naufragar o encontro.

Ontem, chegou a Caracas o secretário-geral da instância, Néstor Kichner, que tenta se apresentar como mediador da questão. Em suas primeiras palavras, fez um emotivo discurso de "permanente agradecimento" a Chávez.

Por fim, o presidente brasileiro termina o dia com o outro protagonista da crise: vai ao jantar de despedida do colega Álvaro Uribe em Bogotá. Amanhã Juan Manuel Santos assume a Presidência do país.